Tolerância zero da arbitragem rende 21 cartões e pode gerar 'guerra' com técnicos e jogadores


Tolerância zero da arbitragem rende 21 cartões e pode gerar ‘guerra’ com técnicos e jogadores

A ideia é acabar com as rodas que se formam em volta dos árbitros, algo comum há anos no futebol brasileiro, e coibir reclamações excessivas

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Por: , 17/04/2023

São Paulo, SP, 17 (AFI) – A nova orientação da CBF para que árbitros punam com mais rigor reclamações de jogadores e integrantes das comissões técnicas rendeu 21 cartões, sendo 19 amarelos e dois vermelhos, na rodada inaugural do Campeonato Brasileiro, aberta no sábado e encerrada no domingo.

A nova diretriz, que passou a valer neste início de Brasileirão, prevê que o árbitro que se sentir excessivamente pressionado durante a partida pelos profissionais localizados na área técnica e banco de reservas, incluindo membros da comissão técnica, deve paralisar o jogo e advertir com um cartão amarelo ou vermelho, a depender de seu julgamento. A ideia é acabar com as rodas que se formam em volta dos árbitros, algo comum há anos no futebol brasileiro, e coibir reclamações excessivas.

Os árbitros têm usado um padrão para justificar as punições. Nas súmulas, escrevem que os jogadores ou integrantes das comissões técnicas foram advertidos por “desaprovar com palavras ou gestos as decisões da arbitragem” e “reclamar de forma acintosa contra as decisões da arbitragem”.

A determinação tem gerado controvérsia e virou tema de discussões. Para Sálvio Spínola Fagundes Filho, ex-árbitro e ex-comentarista de arbitragem do Grupo Globo, a conduta de tolerância zero vai desgastar os juízes e criar uma guerra entre eles e os atletas e técnicos.

“A medida cria uma guerra entre a arbitragem e o indisciplinado. Mandar punir é mandar ir para guerra e romper um relacionamento”, opina Spínola. “O árbitro não é policial. Não deve sair de casa para punir alguém. Tem que punir o ato. O campeonato é longo. Como vai ficar essa arbitragem daqui a dez rodadas?”

Abel foi expulso logo na primeira rodada

O analista de arbitragem diz que a CBF erra ao não colocar um inspetor de jogo com autoridade maior que a do quarto árbitro, personagem que “não inibe ninguém”, em sua visão. “Nem o gandula respeita o quarto árbitro”. Essa figura existe em competições internacionais, como a Libertadores, sob a responsabilidade da Conmebol.

A outro caminho, aponta Spínola, é fazer com que haja diálogo entre jogadores, técnicos e os árbitros. “Não é ser amiguinho do técnico. É construir uma ponte de relacionamento”, afirma. “É preciso estreitar o relacionamento, com uma ponte entre um e outro. Com esse buraco, vai faltar árbitro pro campeonato”.

ABEL FERREIRA, A PRIMEIRA ‘VÍTIMA’

Abel Ferreira foi a primeira “vítima” desse norma que impõe tolerância zero em questionamento direcionados aos juízes. O treinador do Palmeiras recebeu dois amarelos no duelo com o Cuiabá, sábado, e acabou expulso ainda no primeiro tempo. Ele é o treinador com mais expulsões no País desde 2019, quando os técnicos passaram a ser punidos com cartão.

Na súmula do jogo, com poucas palavras, o árbitro relatou que expulsou Abel após ser informado pelo seu assistente, Bruno Boschilia, que o treinador palmeirense gritou as seguintes palavras: “que arbitragem de merda”. Palmeiras 2 x 1 Cuiabá, aliás, foi o jogo com o maior número de cartões mostrados por reclamação. Foram cinco.

O juiz da partida, Paulo César Zanovelli, puniu Abel com amarelo depois que foi defender um de seus auxiliares. Cinco minutos depois. O português reclamou com o assistente Bruno Boschilia e recebeu o vermelho. Boschilia, coincidência ou não, trabalhou nos últimos três jogos em que Abel foi expulso.

A expulsão revoltou o treinador do Palmeiras, habitualmente impulsivo à beira do gramado, e lhe fez repensar sobre sua vontade de continuar no Brasil. “Me tira a vontade de estar aqui”, desabafou ele depois da vitória de sua equipe. “Acho que meus jogadores não mereciam ficar sem o treinador no banco. Eles sabem o quanto me esforço para os ajudar. Foi tudo muito confuso. Eu não queria ser expulso, tinha um objetivo meu. Não sei se o trabalho que estou fazendo é suficiente, se é a tolerância zero, ou se o meu português não está claro”.

Maurício Barbieri, comandante do Vasco, foi o outro técnico expulso na primeira rodada. Os outros 19 cartões amarelos decorrentes de reclamações foram apresentados para auxiliares e jogadores. Apenas duas partidas não tiveram punições por essa razão: Botafogo 2 x 1 São Paulo e Bragantino 2 x 1 Bahia.

SALDO POSITIVO

A menor tolerância com reclamações de técnicos e jogadores é uma das mudanças implementadas pela CBF no futebol brasileiro. As outras são a extensão do tempo de acréscimo, como os vistos na Copa do Mundo, obedecendo a uma determinação da Fifa de que haja 60 minutos de bola rolando, revisões do VAR no telão dos estádios, com áudio em tempo real, e linhas de impedimento que, na dúvida, passarão a beneficiar os atacantes.

Wilson Seneme, presidente da comissão de arbitragem da CBF, considera que a medida gerou avanços no aspecto disciplinar nos primeiros jogos do Brasileirão. “O saldo foi bastante positivo”, avaliou.

As novas diretrizes foram apresentadas aos clubes da Série A antes do início do Brasileirão por Seneme. Nem todos os times, porém, abriram suas portas para o presidente da comissão de arbitragem apresentar as orientações relacionadas aos árbitros.

Palmeiras e São Paulo alegaram problemas de logística. O Flamengo recusou a palestra, por ora, em razão da crise instalada com a sequência de derrotadas que provocou a demissão de Vítor Pereira. O Red Bull Bragantino não respondeu ao contato da CBF.

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